ESCRITO POR THIAGO CORTÊS | 28 ABRIL
2015 - ARTIGOS - RELIGIÃO
Teólogos e pastores proeminentes
agora se debatem com a questão: pode o cristão apoiar um movimento de
impeachment?
Alguns dizem que sim. Outros
respondem que não. É uma questão legítima, e que não diz respeito apenas ao
governo de Dilma Rousseff.
Se o cristão não pode apoiar a
dissolução das autoridades constituídas, isso vale para todas as autoridades
constituídas. Em bom português, se não podemos tirar Dilma do poder porque
devemos ser submissos o mesmo vale para políticos de outros partidos e
ideologias.
A consequência prática desta
interpretação do famoso texto de Romanos é a total submissão a qualquer
governo, seja ele democrático ou não. Se a submissão às autoridades deve ser
absoluta, os cristãos que lutaram contra Hitler estavam em pecado.
Mas, acredito, esta é uma
interpretação absolutamente equivocada.
Como é típico no meio evangélico,
as pessoas sustentam sua posição em apenas um versículo, neste caso Romanos
13:1-2: “Cada qual seja submisso às autoridades constituídas,
porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram
instituídas por Deus”.
É uma interpretação reducionista
que ignora os versículos subsequentes que explicam que a autoridade
instituída por Deus é instrumento do bem e que é necessário submeter-se a ela
não por temor de castigo, mas também por dever de consciência.
É preciso sempre se perguntar: a
autoridade à qual estou submetido é instrumento do bem? É uma autoridade a quem
reconheço em minha consciência? A necessidade desta averiguação de consciência
é enfatizada no seguinte versículo:
“É também por essa razão que
pagais os impostos, pois os magistrados são ministros de Deus, quando exercem
pontualmente esse ofício.” (Romanos 13:6-7)
Enfatizo aqui as palavras: “quando
exercem pontualmente esse ofício”. Ou seja, quando os governantes agem
incorretamente não podem mais ser vistos como ministros de Deus.
A Bíblia diz claramente que o
próprio Deus se levanta contra autoridades ilegítimas. Há inúmeras passagens
bíblicas que suportam a minha afirmação, mas aqui vou me deter em uma que
mostra a ira de Deus contra governantes ilegítimos:
“Eis o que me diz o Senhor: Desce
ao palácio do rei de Judá, e lá pronunciarás: Ouve a palavra do Senhor, rei de
Judá, que ocupas o trono de Davi, tu, teus servos e teu povo que entrais por
essas portas. Eis o que diz o Senhor: Praticai o direito e a justiça, e livrai
o oprimido das mãos do opressor […] Se obedecerdes fielmente a esta ordem,
continuarão a passar pelas portas deste palácio os reis herdeiros do trono de
Davi, montados em carros e cavalos, com seus servos e seu povo. Se, porém, não
escutardes estas palavras, juro-o por mim – palavra do Senhor -, será
reduzido a escombros este palácio” (Jeremias 22: 1-5)
O capítulo 22 de Jeremias
demonstra sem qualquer dúvida que caso a autoridade se oponha aos princípios de
Deus, que a instituiu, ela perde sua legitimidade. A autoridade legítima é
aquela que obedece aos princípios divinos de justiça, honestidade, equidade,
etc.
Mesmo que uma autoridade tenha
legitimidade legal, é preciso se perguntar: ela está em obediência aos
princípios divinos? A ordem terrena não é superior à ordem divina e há também
inúmeros versículos que sustentam tal afirmação.
Na verdade, a obrigação moral de
todo cristão é a de obedecer a Deus antes de obedecer aos homens. E os maiores
heróis da Bíblia são justamente os que fizeram isso:
“Trouxeram-nos,
apresentando-os ao Sinédrio. E o sumo sacerdote interrogou-os, dizendo:
Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis nesse nome; contudo, enchestes
Jerusalém de vossa doutrina; e quereis lançar sobre nós o sangue desse homem.
Então, Pedro e os demais apóstolos afirmaram: Antes, importa obedecer a Deus do
que aos homens”. (Atos
5:27-29)
É importante refletir também
sobre o conceito de autoridade. Do ponto de vista político moderno, a
autoridade máxima de um País é a sua Constituição, ou seja, é a ela que
todos devem se submeter.
A autoridade máxima, portanto, é
a Constituição.
Cidadãos de todos os partidos,
ideologias e crenças devem se submeter, antes, à Constituição.
Todo governo está debaixo da Constituição e dele não depende a estabilidade
política e constitucional de um País. Depende da Constituição.
A Bíblia também tem várias
passagens nas quais a corrupção é condenada. A ação de corruptos e corruptores
jamais é relativizada por Deus, como é costume nos nossos tempos em que se diz
“mas a corrupção não é só do meu partido” ou “não começou com a gente”:
“No meio de ti aceitam-se
subornos para se derramar sangue; recebes usura e lucros ilícitos, e usas de
avareza com o teu próximo, oprimindo-o. E de mim te esqueceste, diz o Senhor
Deus. Eu certamente baterei as mãos contra o lucro desonesto que
ganhastes” (Ezequiel
22:12-13)
“Os teus príncipes são rebeldes,
companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno, e corre atrás de
presentes. Não fazem justiça ao órfão, e não chega perante eles a causa das
viúvas”. (Isaías
1:23)
“Pela justiça o rei estabelece a
terra, mas o amigo de subornos a transtorna” (Provérbios 29:4)
“O ímpio acerta o suborno em
secreto, para perverter as veredas da justiça”. (Provérbios 17:23)
“Também suborno não tomarás;
porque o suborno cega os que têm vista, e perverte as palavras dos justos.” (Êxodo 23:8)
Para encerrar, apenas dois breves
comentários de natureza política. Não sobre Dilma, pois creio que os irmãos
lêem jornais e assistem ao noticiário. E vão ao supermercado. E pagam impostos.
E pagam contas de luz e de água. E prezam pela democracia.
Quero apenas lembrar que um dos
maiores juristas contemporâneos do Brasil, Ives Gandra Martins, ofereceu um
parecer no qual demonstra que há, sim, base jurídica para o impeachment de Dilma Roussef. Não é golpe; é a
aplicação da Constituição.
Mas quero falar do meio
protestante.
Nos idos dos anos 1990 alguns
líderes evangélicos progressistas aderiram ao “Fora FHC!”. Eles apoiaram o
movimento pelo impeachment de FHC somente por fidelidade ideológica. São os
mesmos que agora dizem que o “Fora Dilma!” é um golpe contra a democracia.
É interessante notar que alguns
proeminentes evangélicos progressistas até pouco tempo atrás aderiram também ao
“Fora Alckmin”. São os mesmos que agora dizem que o movimento contra
Dilma é golpista.
Por sua vez, os “moderados” de
plantão que agora lembram que estamos sujeitos às autoridades nada disseram
quando o “Fora FHC!” era bradado por evangélicos progressistas que tinham todos
os holofotes da mídia, mas arruinaram seus ministérios com dossiês falsos e
adultérios.
O que posso dizer dos irmãos
progressistas e dos “moderados”?
“Conheço as tuas obras, que nem
és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e
não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca” (Apocalipse 3:15-16)